segunda-feira, 23 de abril de 2012

Ah, vida.

"Herbsttag", de Ranier Maria Rilke*

Senhor: agora é tempo. O verão passou lento;
repousa tuas sombras sobre as horas de sol
e pelos corredores deixa soprar livre o vento.

Ordene que estejam cheias as últimas frutas
dê a elas mais dois dias sulistas
com afinco pressione-as
e cace a doçura restante do mais pesado vinho.

Quem agora não tiver uma casa, não mais a construirá;
Quem agora estiver sozinho, assim enfim permanecerá,
crescerá, há de ler, e longas cartas escrever
e vagará por avenidas aqui e lá
afoito, quando as folhas impelirem-se.

--

Diz-se que te fazer pequeno de nada serve ao mundo
Mas teu tamanho é descontado de cada desacerto.
És pequena jóia sem valor, quebrado e sem conserto
errado, inexato, contestável, parvo, imundo.

Talvez (na falta de comparação melhor)
é como os cartões postais nunca enviados
que tornaram-se contrariados
marca-páginas.

Ai, vida. E agora,
o que Drummond faria?

--

"Wer spricht von Siegen? Übersteh'n ist alles!"
http://mundoderascunhos.blogspot.com.br/2012/04/um-medo-peremptorio-do-ego.html

*
Original encontrado aqui: http://www.gutenberg.org/dirs/3/4/5/2/34521/34521-h/34521-h.htm
Tradução minha e do de.thefreedictionary.com

Es de dudar si el dilema

Como distração
sentei-me com um velho amigo:
Equilibrando livros na cabeça
debatemos os limites del capitalismo
("hay em el sistema capitalista
una tendencia inherente hacia la autodestruicción
es de dudar si el dilema (...)
puede ser neutralizado de esta manera").
Ignoramos, já bastante cansados, nossa incultura
sobre complicadas teorias econômicas.
Apenas perguntamo-nos lendo das páginas
em voz alta frases altivas:
¿Acharemos
algum dia
figuras de linguagem definitivas
que substituirão concisas
os percalços de nossas vidas inteiras?
Somos apenas grandessíssimos filhos-da-puta;
sabemos quanto valem nossas besteiras.
Quem dera fosse nossa existência uma luta
Quem dera tivéssemos uma guerra das antigas.



quarta-feira, 18 de abril de 2012

A ausência em metáforas kitsch

Domingo fui ao parque
as crianças brincavam aos montes
corriam ao redor do lago, da fonte
e os patos, despreocupados.
No gramado logo ao lado
(já era quase noite)
debatiam as pessoas em roda
sobre o porquê de passarem
e tão logo já desaparecerem
os cometas, essas quase-estrelas,
que devem ser metáfora kitsch para alguma coisa,
(sugeriu alguém de camiseta colorida)
mas o céu não deu mais nada a entender.
Pensamos bem e concluímos sem dizer
que, fosse o que fosse aquilo diante de nós,
sentiremos profundamente sua ausência
se ousar não voltar
para que em brados a recebamos;
contaremos os dias sem dar certeza
de que ao cabo de mais sete dias
estará tudo lá como deixamos.
Outro camarada acendeu um cigarro.
Ele não soube dizer se, na verdade,
não era aquilo alguma outra coisa
que podia eventualmente tê-lo ocorrido,
talvez um satélite ou quiçá um meteorito.
Enfim lamentamos como tudo é tão fugaz
— se ao menos nos deixassem algo escrito!

(O que começou como devaneio
tornou-se disfarçadamente frequente desalento
que volta e meia surpreende-me desatento.
Há uma boa razão para tocar o violoncelo
e é uma pena que não tenhamos tudo agora
por maior que seja a fantasia de qualquer tentativa.
Serei claro: meu lirismo namorador, político
raquítico e sifilítico lastima sinceramente
essa ausência que ameaça tornar-se definitiva.)
--

Ausências são sempre superlativas:
http://mundoderascunhos.blogspot.com.br/2012/04/abwesenheit.html

segunda-feira, 9 de abril de 2012

É preciso ir bastante alto para ver além dos limites de Blumenau


No rádio do carro em que estávamos (em algum ponto incerto entre Jaraguá do Sul e Blumenau) tocavam músicas da minha bandinha canadense favorita, cujas letras eu conhecia de cor. Perguntei-me então (bastante tolo) o porquê desses caras não terem nascido em Santa Catarina também, e percebi que ere essa a deixa do momento para passear nas minhas misconceptions de mundo.

Cruzávamos o nosso pequeno enclave gringo-brasileiro, perdido no meio do vale, bem aqui onde não é possível de ver nada além dos morros. Neste lugar abrem-se estradas por entre altos montes de terra (cuja altura não pôde ser estimada por André), e amontoados de casinhas junto a largos galpões brotam conforme surgem terras mais planas.

Falo sobre as colônias catarinenses, que (segundo consta em um dos livros de Darcy Ribeiro) são filhas da inexplicável persistência dos imigrantes — algo só compreensível se pensarmos na angústia e penúria pela qual paralelamente passava a terra-mãe de outrora. (“A Europa já foi mais legal”, quem sabe não devem ter pensado.)

Por isso imagino clareiras sendo abertas a duras penas, somente para criar uma nova ideia de pátria bem no meio do mato, que chamariam ora de Brasil e ora de Brasilien. Bem aqui, onde mais tarde estaríamos confusos e divididos entre a tela de televisões (ou computadores) e nossa cara no espelho, gerações pareciam decidir involuntariamente o destino do estado em relação ao resto do país. Era muito mais importante saber em que pé estavam os brasileiros do lado de lá, e até que ponto podia-se continuar com velhos costumes. Diria até que nada do que nos preocupa agora era visto lá como problema, porque talvez se soubesse muito bem quem era quem, e o porquê de aqui estarmos sequer era mistério. As colônias de Santa Catarina eram irredutíveis, jamais um limbo dos estados ao redor.

De qualquer forma, eu ocupava o lugar do passageiro, e enquanto essa historinha toda passava por minha cabeça, decidíamos qual entrada da próxima cidade tomaríamos. Ocorreu-me então que não tenho muitos retratos de ancestrais na parede de casa. Mas voltei a distrair-me com as indústrias, porque depois de mais de uma hora rodando com o carro, deparamo-nos com enormes silos de arroz que uma das cidadezinhas abriga, e passei a observar o pessoal que ocupava os lados da rodovia. Perdi a conta de quantas bicicletas vi passar por bairros inteiros longe de tudo. Corríamos sob o calor do sol e embaixo da sombra de igrejas esparsas; estávamos definitivamente atravessando o vale, no interior de Santa Catarina.

Mas essa questão dos colonos é persistente, e acabo ficando nela. Arrisco-me a pensar que parte desse pessoal tornou-se um rude empresariado novo-rico, mesmo que simpático vez ou outra. Mas por que eram assim? O que fazia este pessoal depois de 1900? Depois que esqueceram de que o brasileirismo é inventado, tornaram-se brasileiros de verdade? Ser daqui é ser de lugar nenhum e de todos os lugares ao mesmo tempo? E enquanto o país descobria-se em 1922, época em que cariocas, mineiros e paulistas tomavam navios para qualquer lugar no estrangeiro afoitos em busca da antropofagia, o que se fazia entre o litoral e o oeste catarinense? Será que Vitor Meirelles ou Cruz e Souza estavam distantes demais? Parece que as primeiras incursões artísticas dos ex-colonos foram tão tímidas que ainda não se ouve nada a respeito, e os segredos de nossos avôs estão começando a ser escritos aos poucos, inspirados por autores reclusos e aspirantes a Lindolf Bell. Os novos-ricos não ligam, mas pode-se ver os primeiros suspiros poéticos abrigados nos túneis que há por debaixo das ruas blumenauenses — eles são tanto lenda quanto como distração no caminho para o shopping-center.

Está aí a resposta: distração. Isso, ou nosso grande problema é mesmo o amor próprio.

A falta de amor-próprio, na verdade, parece ser uma sugestão bastante conveniente. Isso significa que, por um lado, não temos voz própria porque temos vergonha do som dessa voz, e isso explicaria também o gosto de fluoxetina com ansiolíticos que o rio Itajaí-Açu deve ter.

Ainda assim, também é bom-senso sugerir que desconheço os autores daqui, e não saberia dizer o nome de mais de dez músicos, dez atores ou dez artistas plásticos. Então, por outro lado, quem sabe sou eu que estou a condenar meu próprio mundinho inventado, e só não sei mais discernir o que presta na televisão, achando que isso é reflexo real do que se passa lá fora. Paradoxalmente, o amor-próprio talvez falte mesmo a mim, e não ao resto das pessoas, que não se importam com a falta uma voz forte que diga de onde vem. "Vens de onde, gajo? Deve ser de Blumenau, com toda essa pompa, mas sem nada para dizer. Desliga a televisão e escreve logo teu livro."

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Amor-próprio — exacerbação exagerada e pleonástica, tom de habitantes de cidades inventadas, ou bom-senso de viver sozinho. No-one has it all em: