terça-feira, 10 de junho de 2014

Todos os amores são tóxicos



O lado bom de ter priminhos que são mais ou menos velhos, ali naquele limiar caótico no fim da infância, são as suas conversas quase lúcidas. Exemplo memorável:

— E se o oxigênio na verdade for venenoso, mas ele demora o tempo de uma vida inteira para matar?
Silêncio e reticências. O pequeno, loirinho e com cara de quem está cheio das ideias, olha confuso para mim. É isso mesmo?

Vamos ao nosso oráculo. Sim, é bem assim mesmo, pelo que diz o Google. Quer dizer, mais ou menos. Aparentemente isso se chama teoria dos radicais livres, mas vai explicar isso para uma criança. Ou uma quase criança.
 
— Acho que vocês não precisam se preocupar com isso agora. Não querem jogar Xbox? Estou com dois controles—

Nem termino de dizer a frase e eles já começam a trocar tapas para ver quem joga primeiro, ainda que tenhamos dois controles. Em tempo suficiente ficamos todos distraídos com a partida, mas agora respiro com cautela. Sinto cada suspiro me roubar um pouco de vida. (E se a vida valer tanto quanto a companhia dos priminhos, então ela deve ser mesmo gasta com parcimônia, mas essa é outra história.)

***

Suspiros. Profundos suspiros.

Eis o dia dos namorados, não muito tempo depois dessa conversa. Sabemos que é junho nas ruas movimentadas do centro da cidade e nos centros comerciais: de um lado, vê-se buquês de rosas e gérberas, presentes elaborados, e falas ensaiadas. A ocasião pede romantismo, portanto os suspiros são apaixonados.
 
De outro lado, o ar é contaminado pelos suspiros céticos e quase aborrecidos de veteranos que colecionam nomes de amantes que não deram certo. O dia dos namorados é talvez ocasião para fingir que o amor é uma invenção, ou para juntar-se a outros veteranos para catalogar desamores e analisá-los minuciosamente. 

E no meio de tudo isso, os entendidos debatem os relacionamentos que valem a pena ou não. Os relacionamentos coloridos, cheios de energia, e que são sopros de vitalidade — e os tóxicos. 

***

Uma de minhas caronas se torna um desses debates:

— Sabe o que é, João? O problema é que esse meu “ex” aí achava que a felicidade dele dependia de mim. Isso me sugava.

Estou no banco de trás, então posso deixar a motorista e o carona responderem por mim. Sei que é uma boa ideia, porque o carona sente profunda empatia.

— Foda.

— Pois é. Não tinha mais como. Eu já nem respondia mais as mensagens dele.

Os bancos do carro ouvem comigo a versão nova de uma velha história. Desamores tão sem sentido, e a gente assim tão down.

— Mas também não tem como continuar um relacionamento assim de qualquer forma.

— Não, não tem. Era tudo meio tóxico. 

“Tóxico”, ela diz. Lembro dos meus priminhos, e penso naquela história do oxigênio. Talvez os relacionamentos não sejam tóxicos. Quem sabe o amor que os nutre seja, assim como o ar que a gente respira, e os relacionamentos apenas envelhecem. As mudanças e intempéries acumuladas viram rugas na paixão cansada e com olheiras, mas ela permanece bela.

A motorista e o carona se calam. 

Ouço suspiros, e quero alertá-los dos males velados e silenciosos do ar que respiramos, mas o guardo para mim. Também não alerto ninguém para os males do amor, sempre assim tão tóxico, porque de nenhum outro modo sufocar é tão libertador.  
 
E se até o oxigênio, indiscutivelmente vital, também nos consome e nos tira a vida depois de tempo suficiente, então só nos resta flertar com sua sutil toxicidade — e esperar que dure para sempre o ar que enche nossos pulmões.

Arcade Fire - The Suburbs & The Suburbs (continued)

***

1.

In the suburbs I
I learned to drive
And you told me we'd never survive
Grab your mother's keys we're leavin'

(...)

So can you understand?
Why I want a daughter while I'm still young
I wanna hold her hand
And show her some beauty
Before this damage is done

But if it's too much to ask, it's too much to ask
Then send me a son

Under the overpass
In the parking lot we're still waiting
It's already passed
So move your feet from hot pavement and into the grass
Cause it's already passed
It's already, already passed!

Sometimes I can't believe it
I'm movin' past the feeling

In my dreams we're still screamin'
We're still screamin'

***

2.

If I could have it back
All the time that we wasted
I'd only waste it again
If I could have it back
You know I'd love to waste it again
Waste it again and again and again

(...)