O mundo é um conta-gotas colossal de histórias que morrerão junto com
seus protagonistas: há um parágrafo em cada esquina, sobre cada lençol
manchado, por trás de todos os suéteres rasgados e inclusive à frente das mesas
de madeira de demolição. Nossas reclamações aborrecidas revelam aparentes confissão de
almas vazias, mas há na verdade menos almas vazias que tatuagens no corpo do conservador
recluso — e por isso somos todos palhaços em um romance russo que não vai ser
lido, porque o hábito de ler perdeu-se com o tempo. Tampouco há tempo para
perder com traduções, eufemismos e parêntesis, e infelizmente não haverá
ninguém para deixar notas detalhadas sobre os carecas enfurecidos que
estouram garrafas de Heineken nas cabeças uns dos outros em bares sujos por aí, ainda que tenham
passado suas vidas lendo extensos tratados de sociologia. Ansiamos pelas autobiografias
que surgirão para contar fatos notórios e sabidos, mas teremos ao final uma
decepção de 200 páginas e 50 capítulos, cuja edição mais caprichada nunca chegará a prateleira central da livraria catarinense e talvez venderá menos que aquela compilação
de contos de um blumenauense (à venda sobre a mesa de centro no consulado).
Nossa cabeça é um infinito conta-gotas de histórias que morrerão
conosco: enquanto nos entretemos até a morte, acumula-se o número de paginas que
você poderia estar escrevendo (e eu, lendo). Devíamos estar registrando em meu teclado ergométrico cada
passo daquele meu conhecido que se parece com um lêmure ao invés de perder tempo fazendo mais café. Devíamos estar
construindo monumentais obras rimadas para contemplar quando nossa autoestima estiver
baixa, e devíamos estar aprendendo latim — ah, a vida é tão sem propósito
quando gastamos fios de cabelo pensando na morte. Vamos lá, é hora de tirar
mais fotos para entreter nossos netos entediados: quem sabe um dia eles se
deparem com álbuns de fotos perdidos em um álbum no canto da casa.
São também conta-gotas as impressões de mundo que ouvi de meus
melhores amigos: quero conhecer mais uma vez todas as histórias e repassar em
minha mente longos monólogos sobre o sol da meia noite. Vou aprender a falar
somente frases de efeito com entonação engraçada. Escreverei um longo diário
fictício que se encerrará em uma praça grande e vermelha onde olhares são
transcritos em alfabeto cirílico, e contemplarei frequentemente em devaneios a
estátua do Almirante Nelson no topo de sua coluna, gritando a vitória rimada em gíria cockney. Vou escrever sobre Montreal sem
nunca ter ido para o Canadá. Vou vestir um terno e atear fogo em mim. E ao
final do dia, ao olhar-me no espelho, vou cruzar os dedos, esperando que dure
para sempre o ar que enche meus pulmões.
Todas as frases são — veja só — conta-gotas pingando seus pensamentos
de pouco em pouco. Assim, longos diálogos fazem menos sentido que esses frases, e por isso o
trabalho é a melhor distração do que um blog. Mas nada disso é suficiente. Então, ainda que eu
queira passar meus dias escrevendo metáforas ruins e longas frases que não
fazem sentido, prefiro reduzir-me ao pragmático.
Em outras palavras, é minha deixa para parar de escrever besteira, e amanhã mesmo irei
ao correio enviar-te um conta-gotas junto de um bilhete (eis aí, enfim, algo que valha a pena ser escrito). E antes que me esqueça: antes de enviar o conta-gotas de volta, prometa enchê-lo até a metade com seu
perfume, para espalhar pela casa em tua ausência.
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Where droppers are poetry,
where texts make sense:
where texts make sense:
http://mundoderascunhos.blogspot.com.br/2012/06/acucar-ou-adocante.html