Gosto de pensar na lua cheia como holofote.
Não; talvez fossem holofotes os postes acesos, e era cenário a lua, que iluminava a nuvem gigantesca recortando o céu e dividindo-o em opaco e estrelado. Eis o plano de fundo de um certo sábado à noite (exausto ainda que sem bocejos), e de complemento estava lá a rua de paralelepípedos no ponto mais alto do morro, tal qual as antenas, o carro estacionado e a cidade lá em baixo, brilhando em janelas acesas.
Ali, depois do som de primaveras e andarilhos ('Vagabonds', vá lá) começa a tocar alguma valsa instrumental (em francês) do Yann Tiersen: gaitas, violinos e um despretensioso compasso trinário. Os carros só vinham a cada 10 ou 15 minutos, e assim estava montado o palco. Veja só, Agenor de Miranda etc. (hoje já saudoso cinquentenário) tinha muita razão: só pessoas de alma bem pequena não mudam em dias de lua cheia. Essa mesma lua brilha pela janela mesmo agora e fica bem evidente o que quis dizer o Debussy.
E aí não sei dizer se é exagero meu em descrever o momento, ou se assisitr "A Árvore da Vida" causou todo esse efeito contemplativo exagerado, mas eu sorri mesmo sem Campo Largo (pois é) e não desejei estar em qualquer outro lugar. Findo mais um cigarro, lembro que foi num desses momentos em que a conversa cai em assunto meio vazio que olhei para C., tornei a sorrir e propôs-se a valsa. Mal sabia eu que não lembrava mais como valsar direito, mas isso nem era importante diante de sorrisos empolgados.
Tão logo ficamos prontos, a música saiu do pianissimo e apressou-se alta e já não mais dançável. Mais um beijo, então uma corrida para o aparelho de som do carro e recomeça a canção. Pusemo-nos novamente a postos. Claudicante (gosto dessa palavra) e hesitante, esquerda e direita -- "pra lá e depois pra cá, João" --, a dança fluiu por alguns segundos e depois parou; não sou grande dançarino, apesar das excelentes intenções.
Após uma pausa para ver se castanho-esverdeado era ainda tão bonito no escuro, sugeri empolgado que retomássemos o um-dois-três bonito e até meio melancólico da música antes que ela terminasse. Assim o fizemos, e por um momento até achei graça da minha falta de coordenação dos pés esquerdo e direito, ao que fomos parando entre risos.
Mais alguns compassos e a valsa ficou apressada como antes, terminando suas últimas notas. Lá em cima as nuvens iam vindo em nossa direção e paramos para olhar os últimos momentos da lua cheia e brilhante visível naquela noite. "Caralho, que bonito" foi o que devo ter dito. Depois de algum tempo, de conversas no meio-fio junto com um par de cigarros -- "Não é assim que se segura um cigarro, sabia?" --, assim como a quase-dança de alguns momentos antes, foi vindo a nossa deixa de ir embora. G. já quase dormia no carro.
Não há fotos. Talvez seja esse o (quiçá único) problema da espontaneidade, e também uma grande vantagem. Salvo aquelas poucas exceções (e a Diana que o diga), meus melhores momentos não estão fotografados. Há um relicário em minha memória que acaba de ganhar seu mais novo item: menos de vinte e quatro horas depois de uma visita a um hospital em São Paulo, cá estou eu (tentando) a dançar valsas por aí. Um brinde sem vinho!
"só pessoas de alma bem pequena não mudam em dias de lua cheia"
ResponderExcluirResume tão bem esse teu post. Lindo lindo João!
Obrigado! E a referência vem daqui: http://www.youtube.com/watch?v=OdrNJLViG1A&feature=related ;)
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