Lembro-me bem das aulas da Prof.ª
Karen¹, especialmente quando chegamos ao ponto em que ela nos dividiu para ler “Vigiar
e Punir”. Nossa tarefa era entender o “panóptico”, modelo de sistema carcerário
de penitenciárias circulares, com uma alta torre de observação construída no
centro que cria aos encarcerados isolados a constante sensação de estarem
sendo observados. Frisa-se que ser observado constantemente implicaria
necessariamente em uma punição imediata em caso de mau comportamento (algo
substancialmente eficaz em termos de controle de grupos).
Por certo há aí toda uma
discussão sobre sistemas penais ou carcerários, mas foi outra coisa que me
deixou pensando por mais tempo. Pareceu-me, quando primeiro começamos a debater
o porquê dessas idéias, que esse modelo é baseado exatamente em algo muito mais
amplo. Afinal, posso supor sem maiores problemas que vigilância interminável é
exatamente todo o ponto de qualquer mecanismo de convivência social, porque
passar pelo crivo de todos é exatamente aquilo que define até aonde vai nossa
moral e sua aplicação prática. Anda-se nu dentro de casa só com as persianas
abaixadas. Em qualquer contexto, o debate em liberdades individuais começa exatamente
no momento em que elas deixam de ser individuais e são debatidas — no gabinete
da enésima vara, ou no meu sofá no sábado à noite.
Nada novo nisso tudo. Mas aí
continuam alguns problemas, já que o papel de frear ou liberar certos impulsos cabe ao abstrato poder estatal. E uma palavra que certamente vem à cabeça quando
alguém fala em, digamos, governos autoritários e ditaduras é a questão da
censura. Há sempre só um lado da moeda, estampado com a cara da Rainha de
Copas, porque não se aceita algo contra a vontade já sólida e decidida do status quo. Quando não se corta a cabeça
alheia ou quebra-se as pernas, reduzem as opiniões contrárias às dezenas (e
está aí a Bill 78 em Montreal que, tão
atual, não me deixa mentir).
E aí chegamos no ponto que eu
pretendia: o poder de calar ou deixar falar, mesmo em nível de decisões estatais,
só pode derivar de uma grande vaidade individual de não se aceitar aquilo que
pouco a pouco — paulatinamente — foge
das expectativas. Sempre há quem preferirá suprimir, omitir e excluir. Os
outros poderão sempre fugir em exílio, rumo à paulicéia.
O que resta disso é que os grupos
são proporcionais, assim como as suas respectivas bobagens e censuras. As tolas
concepções de falta de caráter, os tristes debates acerca dos erros dos outros
— quem pensamos que somos?! —, e as cabeças cortadas (em metáfora ou não);
todas as falhas de viver em grupo ecoam. Nossos momentos de ébria felicidade
comemoradas na páscoa, nos feriados nacionais e durante as férias são pesados
com receio.
E, ainda que seja questionável e
exagerado o pragmatismo individualista dos ermitões, decepciono-me com decisões
democráticas em grupo. Não há voto vencido: cortem-na a cabeça. Condenem-na ao
ostracismo. Façam com que fique quieta. Simplesmente a evitem, e que viva para
sempre a vergonha de atitudes daquela que — pasmem! — fez algo do qual
discordaram.
Mas sem pânico: com alguma sorte,
a verdadeira necessidade de se fazer ouvir frente a terríveis atos
institucionais nunca mais será realidade por aqui. Felizmente, só conheceremos
essa censura tola que queima sob nossas pequenas panelinhas.
Enquanto isso, diante dessa pequenice toda, o rude pedido de
silêncio de agora será indiferença depois. Se estamos mesmo em um panóptico, a prisão é a torre de observação. Toda canção de liberdade vem do cárcere.
Por fim, se há alguma lágrima ou decepção, é porque se lamenta a falta de bom-senso da Rainha de Copas, tão desvairada.
Por fim, se há alguma lágrima ou decepção, é porque se lamenta a falta de bom-senso da Rainha de Copas, tão desvairada.
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(1) — “Se estiverem felizes, fiquem felizes; se estiverem tristes, fiquem
tristes! Vivam o momento!”
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É proibido proibir, de fato:
http://mundoderascunhos.blogspot.com.br/2012/06/e-proibido-proibir.html
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