A noite por aqui desconhece o afã
e o ponteiro do relógio vai ficando desacreditado
depois das duas da manhã.
Vou-me esquecendo do mundo além da janela
e o assunto (fora a rima) volta-se a ela:
breve madrugada.
Eis o absurdo e o abismo, batendo a meus umbrais.
(Já passa da meia-noite, mas o corvo não vem.)*
Eles perdem-se num infinito de estrelas e fractais,
mas o infinito vale de quase nada
durante a madrugada.
Vem a mim inclusive um certo fantasma suicida,
triste conhecido ainda vivo.
Toda essa hipocrisia arrependida
é quase, eu diria, como nossas outras vidas inventadas:
vão-se conforme findam as madrugadas.
Não sei mais. Fora o suspiro e essa conversa desventurada,
Surgem estrofes (sem métrica) e personagens
que se multiplicam antes que consiga deixar a ideia esboçada.
Mas ideias que vêm são menos que nada
se só vêm durante a madrugada.
Sinto-me enfim um grande pessimista.
Acordarei confuso e sem entender o ponto de vista,
que terá menos sentido ainda que tinha horas atrás.
Mas isso não há de ser nada.
Estamos diante do limiar da alvorada
— agora, ao fim da madrugada.
--
Mais poesia e madrugada: http://mundoderascunhos.blogspot.com/2012/02/distracao-tempo-e-lembrancas.html (A challenge accepted indeed!)
* Umbrais e corvos: http://www.insite.com.br/art/pessoa/coligidas/trad/921.php
* E, como disse-me um amigo certa vez, referindo-se a alguma coisa (cuja referência nunca mais achei): "we're standing at the threshold of dawn". E complemento: vor der Schweile der Dämmerung stehen wir!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe um comentário e ganhe um abraço, um biscoito da sorte e dois vale-duchas :)