(É tempo de escrever coisas que
provavelmente ninguém mais vai entender ou mesmo ler.)
Há alguns dias, não muito tempo depois de contestar diariamente um
arrependimento que me adoecia as ideias, tive a oportunidade de dar algumas
voltas de carro, na busca de qualquer lugar afastado de onde fosse possível ver
o céu. Era a ocasião de aparecer a maior lua do ano, a "supermoon", que veio não muito maior que a lua normal. As estrelas não
contiveram o brilho também intenso, e acabamos por ver um céu bastante
inspirado.
Estrelas multiplicam-se no escuro. Diz-se que, em sua maior visibilidade e clareza, são um grande guia de
localização, porque sua disposição (ainda que em constante movimento) está lá
como complicadas indicações de direção, e suspeito que se formos longe o
suficiente das luzes da cidade, podemos ver até a via láctea (“...deve ser uma
visão e tanto”). É quase como no livro de rabiscos de um maníaco, cheio de itens
coloridos que não têm nenhuma relação aparente entre si, nenhum esquema
claramente distinguível. De qualquer forma, por mais bonito que fosse, não soube dizer, no entanto, qual era o propósito de imaginar e dar nomes a conjuntos de estrelas. Fui então ver um
livro ou outro (“A Walk Through the
Southern Sky” foi um princípio bastante elucidativo), e dizia lá que constelações
são mapas disfarçados de desenhos e poesia grega antiga, com odes a ninfas e
caçadores correndo atrás de Afrodite*. Em outras palavras, três pontos
brilhantes em linha reta, outros quatro pontos arqueados, mais um punhado
espalhado, e pronto: lá está a constelação de Sagitário, nascendo ao
leste, enquanto Órion se põe ao oeste, fugindo do centauro que protege
Hércules. O cruzeiro do sul debaixo do Centauro, por outro lado, não tem
nenhuma lenda a justificá-lo.
O mais fascinante disso
é que nenhuma das constelações é óbvia. Até o cruzeiro do sul é uma cruz
bastante questionável, mesmo porque poderia ser qualquer outra coisa pelo
padrão dos outros desenhos. Claro, a ideia de imaginar desenhos ao redor das estrelas foi só
um método muito inteligente para identificar padrões em pontos bastante
esparsos aleatoriamente, então tudo isso é uma questão mais secundária. Ainda
assim, é bem aí nesse ponto secundário — porque
às vezes o secundário é mais divertido que todo o resto — onde começa esse
divertido exercício de associar qualquer nova ideia às estrelas, e
permitimo-nos a abandonar os mapas astronômicos que já estão aí a tanto tempo.
Imaginemos livremente o que terá o céu a nos dizer nessa ou naquela noite, e as metáforas
serão em mais número que as próprias estrelas. Veja, gosto de pensar, para
começar, que essa coisa transitória e fugidia do lento movimento das estrelhas
ao longo dos meses é uma metade de nossas vidas, sendo a outra o eterno e o imútavel,
posto que as estrelas sempre voltam aonde já estiveram. Capisci?
Ou: podemos inventar sozinhos um mapa de estrelas, a título de nos orientar com sinais não visiveis
a olho nu, e teríamos, então, nossa própria coleção de constelações como memorabilia.
Cada mês, uma recordação: Abril, Eros e Dionísio; Maio, Thanatos e Psiquê. Ou
quem sabe até algo menos pretensioso, e daríamos a cada trio de estrela uma
música do Beirut, ou uma canção em inglês para cada plêiade, e as maiores
teriam nomes em alemão: “Sehnsucht”,
“Abwesenheit”, “Schweigsamkeit”, “Die Nacht”, "Herbstabend", ou sei lá mais o quê. A única exceção seriam aquelas que estiverem dispostas no céu como as pintas de nossos braços, que terão nossos nomes de verdade.
De qualquer forma, há de ser algo bastante interessante: nossa orientação por um tracejado de linhas imaginárias, livros de poesia, e promessas — cumpridas ou
não. Suerte!
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*Um dos muitos sonetos de Camões, achado ao
acaso:
Deixa, Apolo, o correr
tão apressado,
Não sigas essa Ninfa tão ufano,
Não te leva o Amor, leva-te o engano
Com sombras de algum bem a mal dobrado.
E quando seja Amor será forçado,
E se forçado for, será teu dano:
Um parecer não queiras mais que humano,
Em um Silvestre adorno ver tornado.
Não percas por um vão contentamento
A vista que te faz viver contente:
Modera em teu favor o pensamento.
Porque menos mal é tendo-a presente,
Sofrer sua crueza, e teu tormento,
Que sentir sua ausência eternamente.
Não sigas essa Ninfa tão ufano,
Não te leva o Amor, leva-te o engano
Com sombras de algum bem a mal dobrado.
E quando seja Amor será forçado,
E se forçado for, será teu dano:
Um parecer não queiras mais que humano,
Em um Silvestre adorno ver tornado.
Não percas por um vão contentamento
A vista que te faz viver contente:
Modera em teu favor o pensamento.
Porque menos mal é tendo-a presente,
Sofrer sua crueza, e teu tormento,
Que sentir sua ausência eternamente.
“Up
a tree in the park at night with a Hedgehog”, últimas linhas:
"Oh,
look at that.
Stars.
I
didn't notice them before.
It's
funny how people always strive for the most hyperbolic, poetical and grandiose
terms when trying to describe stars and how far away they are. It's all vast
empty reaches of space and aeons of light-years when all anyone really needs to
say is they're a long way away.
A
long way away is a long way.
But
they're not really a long way away either.
They're
a long time ago. They don't exist any more. Some of them went boom before Adam
was a boy. What we're looking at are the memories of stars.
But they're beautiful just the same."
--
--
* Are there
patterns in our skies, are patters only in our eyes?
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