sexta-feira, 26 de março de 2010

Crises de Identidade, persistência da memória e Alexandre Nardoni

Era uma curiosidade que eu já tinha ouvido bastante tempo atrás, mas que eu ouvi de novo recentemente: todas as células dos nossos corpos já foram regeneradas alguma vez nos últimos sete anos. Fui conferir essa informação e havia um dado que aumentava esse período, posto que algumas células duram mais tempo – nos ossos, por exemplo, algumas aparentemente resistem por uns 10 anos.

Isso significa que você poderia se considerar, pelo menos a cada década, uma pessoa completamente diferente do que era dez anos atrás. Então, ainda que seja uma noção meio radical e que talvez, em poucas palavras, “não é exatamente assim que funciona”, essa idéia me rende uma pergunta: o que define nossa identidade ao longo do tempo?


Reformulemos a pergunta. Como alguma coisa pode manter-se a mesma se ela, fisicamente falando, transforma-se em outra totalmente nova? Bom, em primeiro lugar, tenhamos em mente que essa idéia é muito velha, tanto que na Grécia antiga – para variar – alguém já tinha pensado nisso.


Chama-se o “Navio de Teseu”:
Conforme relato de Plutarco, o navio com que Teseu e os jovens de Atenas retornaram (de Creta) tinha trinta remos, e foi preservado pelos atenienses até o tempo de Demétrio de Falero, porque eles removiam as partes velhas que apodreciam e colocavam partes novas, de forma que o navio se tornou motivo de discussão entre os filósofos a respeito de coisas que crescem, alguns dizendo que o navio era o mesmo, e outros dizendo que não era.

A idéia, embora um pouco repetitiva a essa altura do texto, é perguntar-se como o navio podia ser o mesmo se este já fora praticamente reconstruído várias vezes.


A resposta que me vem a cabeça é que o navio passa a ser outro, nessas condições. Mas e nós? Deixamos de ser quem nós somos, uma vez que a pessoa que ganhou uma certidão de nascimento há muito tempo já não é a mesma? Como nós lembramos como andar de bicicleta ainda que passemos muito mais do que uma década sem pegar uma para andar?

E tem mais um problema, que se revela quando eu percebo que é muito mais difícil definir as coisas. Não podemos definir alguma coisa pelo funcionamento, propósito ou aparência/composição física. Afinal, uma chave que não abrisse nenhuma porta existente não seria uma chave.

Mas a verdade é que não sei como responder nada disso. Não escrevi o texto para apresentar uma resposta, porque certamente ela depende de um conhecimento mais complexo do que eu poderia dar. Algo relacionado com o funcionamento exato de nossa memória – ou a persistência dela – e como é o mecanismo que determina a nossa consciência.


Minha intenção com esse papo todo era, a princípio, deixar a reflexão pra quem quiser ler e depois conversar sobre isso. Mas aí eu percebi além disso, ao pensar sobre o assunto e assistir os noticiários, que existe uma aplicação moral bizarra desse paradoxo.


Quanto à permanência de identidade, Alexandre Nardoni, por exemplo, poderia ser solto em uma década - embora talvez ele seja mesmo, who knows - se eu estiver certo nesse aspecto. Afinal, passado um decênio da morte de Isabella não vai mais ter sido ele que a matou.


"Mas eu não matei ela, foi um assaltante que jogou ela da janela. Eu juro!"


E já que mudamos de assunto, PELO AMOR DE DEUS PAREM DE FALAR NESSA PORRA. Eles estão sendo julgados, tudo bem, mas eu tenho certeza que essa notícia não tem tanta relevância. Ah sim, tem outra: como já disseram antes, as pessoas que ficam na porta do tribunal pra vaiar eles são uns idiotas. Aproveitem seu tempo melhor, vão dar a bunda, se joguem pela janela, sei lá.


Bom, é isso. Um abraço ao Marco que não vai ler esse texto e que acha muito divertido quando eu começo essas conversas.


mp3: Pixies - Where is My Mind

Resumo pro Volkmann: você é uma pessoa diferente e igual a cada 7 anos e eu odeio o “caso da menina Isabella”.