domingo, 22 de novembro de 2015

Soneto para um dia de chuva

(De um caderno de 2009, encontrado em meio a partituras velhas, papeis antigos e mais um monte de tralha, aqui transcrito para que não se perca.)

A chuva cai como quem diz
que vão-se embora tuas quarta-feiras de sol
As tardes, tempestades e mais um rol
de incontáveis motivos pra ser feliz

E é verdade que o relicário da minha memória
desconhece toda a glória dos dias que virão
Meu amor, é infinto, -- mais infinito que ontem
E muito mais forte que qualquer tufão

Mas ainda que chova durante a estiagem
e que fluam rios feitos de pretensão
Pouco se compara

à saudade que vou ter
das tempestades de verão
que só caíam em tua homenagem.

(13.01.2010, às 4am)

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A ingenuidade dos meus 23 anos


Fiódor Dostoiévski : “Os Irmãos Karamázovi”
Primeira Parte, Livro V, III: Os Irmãos Travam Amizade (pp. 234-235)

***

— Decerto, Ivã. Dimítri diz que és um túmulo. Eu digo que és um enigma. Tu o és ainda agora para mim, no entanto começo a compreender-te, desde esta manhã apenas.

— Que queres dizer? — Disse Ivã, rindo.

— Não te zangarás, pelo menos? — perguntou Aliócha, rindo também.

— E então?

— Então, descobri que és um rapaz semelhante a todos os outros, aos 23 anos, um rapaz bem viçoso, bem gentilmente ingênuo, um verdadeiro fedelho, em uma palavra. Minhas palavras não te ofendem?

— Pelo contrário, estou admirado duma coincidência — exclamou Ivã, com ímpeto. — Acreditarias que desde nossa entrevista desta manhã só penso na ingenuidade dos meus 23 anos, e é por isso que começas, como se o tivesse adivinhado? Sabes o que que dizia a mim mesmo ainda há pouco? Se não tivesse mais fé na vida, se duvidasse duma mulher amada, da ordem universal, persuadido ao contrário de que tudo não é senão um caos infernal e maldito e estivesse eu preso dos horrores da desilusão – mesmo então quereria viver ainda assim. Depois de ter bebido na taça encantada, só a deixaria uma vez esgotada. Aliás, perto dos trinta anos, pode ser que sinta saudade dela, mesmo inacabada, e irei... Não sei aonde. Mas, até os trinta anos, tenho a certeza, minha mocidade triunfará de tudo, do desencanto, do desgosto de viver. Muitas vezes tenho perguntado a mim mesmo se haveria no mundo um desespero capaz de vencer em mim esse  furioso apetite de viver, inconveniente talvez; e penso que ele não existe, pelo menos antes de trinta anos. Esta sede de viver é chamada de vil por certos moralistas catarrentos e tuberculosos, sobretudo por poetas. É verdade que é um traço característico dos Karamázovi, essa sede de viver à qualquer preço; encontra-se em ti, mas por que haveria de ser vergonhosa? Há ainda muita força centrípeta em nosso planeta, Aliócha. Quer-se viver, e eu vivo, mesmo a despeito da lógica. Não creio na ordem universal, pois seja; mas amo os brotos tenros na primavera, o céu azul, amo certas pessoas, sem saber por quê; Amo o heroísmo, no qual talvez tenha deixado de crer desde muito tempo, mas que venero por hábito. Eis que te trazem a sopa de peixe. Bom apetite. É excelente, preparam-na bem aqui. Quero viajar pela Europa, Aliócha. Sei que não encontrei lá senão um cemitério, mas quão querido! Queridos mortos nele repousam, cada pedra atesta a vida ardente deles, sua fé apaixonada nos seus ideais, sua luta pela verdade e pela ciência. Oh! Cairei de joelhos diante daquelas pedras, beijá-las-ei, derramando lágrimas. Convencido, aliás, intimamente, de que tudo aquilo não é senão um cemitério e nada mais. E não serão lágrimas de desespero, mas de felicidade. Embriago-me com meu próprio enternecimento. Gosto dos brotos tenros da primavera e do céu azul. A inteligência e a lógica não entram nisso absolutamente, é o coração que ama, é o ventre, gosta-se de suas primeiras forças juvenis... Compreendes tu alguma coisa dessa minha arenga, Aliócha? — E Ivã pôs-se a rir.

— Compreendo por demais, Ivã; desejar-se ia amar pelo coração e pelo ventre, como bem o disseste. Estou encantado com esse teu ardor de viver. Penso que se deve amar a vida acima de tudo.

— Amar a vida, em vez do sentido da vida?

— Decerto. Amá-la antes de raciocinar, sem lógica, como dizes; então somente compreender-se-á o sentido dela. Eis o que entrevejo desde muito tempo. A metade de tua tarefa está realizada e adquirida, Ivã: amas a vida. Ocupate- com a segunda parte, é a salvação.

— Estás muito apressado em salvar-me, talvez não esteja eu ainda perdido. Em que consiste essa segunda parte?

— Em ressuscitar teus mortos, que estão talvez ainda vivos. Dá-me chá. Estou satisfeito com nossa conversa, Ivã.

— Vejo que estás de veia. Gosto dessas professions de foi, da parte de um noviço. Sim, tens firmeza, Alieksiéí. É verdade que queres deixar o mosteiro?

— Sim, meu stáriets me envia para o mundo.

(...)

***

[Disponível em: http://goo.gl/El2dVI]