domingo, 8 de janeiro de 2012

Valsas claudicantes


Gosto de pensar na lua cheia como holofote.

Não; talvez fossem holofotes os postes acesos, e era cenário a lua, que iluminava a nuvem gigantesca recortando o céu e dividindo-o em opaco e estrelado. Eis o plano de fundo de um certo sábado à noite (exausto ainda que sem bocejos), e de complemento estava lá a rua de paralelepípedos no ponto mais alto do morro, tal qual as antenas, o carro estacionado e a cidade lá em baixo, brilhando em janelas acesas.

Ali, depois do som de primaveras e andarilhos ('Vagabonds', vá lá) começa a tocar alguma valsa instrumental (em francês) do Yann Tiersen: gaitas, violinos e um despretensioso compasso trinário. Os carros só vinham a cada 10 ou 15 minutos, e assim estava montado o palco. Veja só, Agenor de Miranda etc. (hoje já saudoso cinquentenário) tinha muita razão: só pessoas de alma bem pequena não mudam em dias de lua cheia. Essa mesma lua brilha pela janela mesmo agora e fica bem evidente o que quis dizer o Debussy.

E aí não sei dizer se é exagero meu em descrever o momento, ou se assisitr "A Árvore da Vida" causou todo esse efeito contemplativo exagerado, mas eu sorri mesmo sem Campo Largo (pois é) e não desejei estar em qualquer outro lugar. Findo mais um cigarro, lembro que foi num desses momentos em que a conversa cai em assunto meio vazio que olhei para C., tornei a sorrir e propôs-se a valsa. Mal sabia eu que não lembrava mais como valsar direito, mas isso nem era importante diante de sorrisos empolgados.

Tão logo ficamos prontos, a música saiu do pianissimo e apressou-se alta e já não mais dançável. Mais um beijo, então uma corrida para o aparelho de som do carro e recomeça a canção. Pusemo-nos novamente a postos. Claudicante (gosto dessa palavra) e hesitante, esquerda e direita -- "pra e depois pra , João" --, a dança fluiu por alguns segundos e depois parou; não sou grande dançarino, apesar das excelentes intenções.

Após uma pausa para ver se castanho-esverdeado era ainda tão bonito no escuro, sugeri empolgado que retomássemos o um-dois-três bonito e até meio melancólico da música antes que ela terminasse. Assim o fizemos, e por um momento até achei graça da minha falta de coordenação dos pés esquerdo e direito, ao que fomos parando entre risos.

Mais alguns compassos e a valsa ficou apressada como antes, terminando suas últimas notas. Lá em cima as nuvens iam vindo em nossa direção e paramos para olhar os últimos momentos da lua cheia e brilhante visível naquela noite. "Caralho, que bonito" foi o que devo ter dito. Depois de algum tempo, de conversas no meio-fio junto com um par de cigarros -- "Não é assim que se segura um cigarro, sabia?" --, assim como a quase-dança de alguns momentos antes, foi vindo a nossa deixa de ir embora. G. já quase dormia no carro.

Não há fotos. Talvez seja esse o (quiçá único) problema da espontaneidade, e também uma grande vantagem. Salvo aquelas poucas exceções (e a Diana que o diga), meus melhores momentos não estão fotografados. Há um relicário em minha memória que acaba de ganhar seu mais novo item: menos de vinte e quatro horas depois de uma visita a um hospital em São Paulo, cá estou eu (tentando) a dançar valsas por aí. Um brinde sem vinho!

2 comentários:

  1. "só pessoas de alma bem pequena não mudam em dias de lua cheia"

    Resume tão bem esse teu post. Lindo lindo João!

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    1. Obrigado! E a referência vem daqui: http://www.youtube.com/watch?v=OdrNJLViG1A&feature=related ;)

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