segunda-feira, 9 de abril de 2012

É preciso ir bastante alto para ver além dos limites de Blumenau


No rádio do carro em que estávamos (em algum ponto incerto entre Jaraguá do Sul e Blumenau) tocavam músicas da minha bandinha canadense favorita, cujas letras eu conhecia de cor. Perguntei-me então (bastante tolo) o porquê desses caras não terem nascido em Santa Catarina também, e percebi que ere essa a deixa do momento para passear nas minhas misconceptions de mundo.

Cruzávamos o nosso pequeno enclave gringo-brasileiro, perdido no meio do vale, bem aqui onde não é possível de ver nada além dos morros. Neste lugar abrem-se estradas por entre altos montes de terra (cuja altura não pôde ser estimada por André), e amontoados de casinhas junto a largos galpões brotam conforme surgem terras mais planas.

Falo sobre as colônias catarinenses, que (segundo consta em um dos livros de Darcy Ribeiro) são filhas da inexplicável persistência dos imigrantes — algo só compreensível se pensarmos na angústia e penúria pela qual paralelamente passava a terra-mãe de outrora. (“A Europa já foi mais legal”, quem sabe não devem ter pensado.)

Por isso imagino clareiras sendo abertas a duras penas, somente para criar uma nova ideia de pátria bem no meio do mato, que chamariam ora de Brasil e ora de Brasilien. Bem aqui, onde mais tarde estaríamos confusos e divididos entre a tela de televisões (ou computadores) e nossa cara no espelho, gerações pareciam decidir involuntariamente o destino do estado em relação ao resto do país. Era muito mais importante saber em que pé estavam os brasileiros do lado de lá, e até que ponto podia-se continuar com velhos costumes. Diria até que nada do que nos preocupa agora era visto lá como problema, porque talvez se soubesse muito bem quem era quem, e o porquê de aqui estarmos sequer era mistério. As colônias de Santa Catarina eram irredutíveis, jamais um limbo dos estados ao redor.

De qualquer forma, eu ocupava o lugar do passageiro, e enquanto essa historinha toda passava por minha cabeça, decidíamos qual entrada da próxima cidade tomaríamos. Ocorreu-me então que não tenho muitos retratos de ancestrais na parede de casa. Mas voltei a distrair-me com as indústrias, porque depois de mais de uma hora rodando com o carro, deparamo-nos com enormes silos de arroz que uma das cidadezinhas abriga, e passei a observar o pessoal que ocupava os lados da rodovia. Perdi a conta de quantas bicicletas vi passar por bairros inteiros longe de tudo. Corríamos sob o calor do sol e embaixo da sombra de igrejas esparsas; estávamos definitivamente atravessando o vale, no interior de Santa Catarina.

Mas essa questão dos colonos é persistente, e acabo ficando nela. Arrisco-me a pensar que parte desse pessoal tornou-se um rude empresariado novo-rico, mesmo que simpático vez ou outra. Mas por que eram assim? O que fazia este pessoal depois de 1900? Depois que esqueceram de que o brasileirismo é inventado, tornaram-se brasileiros de verdade? Ser daqui é ser de lugar nenhum e de todos os lugares ao mesmo tempo? E enquanto o país descobria-se em 1922, época em que cariocas, mineiros e paulistas tomavam navios para qualquer lugar no estrangeiro afoitos em busca da antropofagia, o que se fazia entre o litoral e o oeste catarinense? Será que Vitor Meirelles ou Cruz e Souza estavam distantes demais? Parece que as primeiras incursões artísticas dos ex-colonos foram tão tímidas que ainda não se ouve nada a respeito, e os segredos de nossos avôs estão começando a ser escritos aos poucos, inspirados por autores reclusos e aspirantes a Lindolf Bell. Os novos-ricos não ligam, mas pode-se ver os primeiros suspiros poéticos abrigados nos túneis que há por debaixo das ruas blumenauenses — eles são tanto lenda quanto como distração no caminho para o shopping-center.

Está aí a resposta: distração. Isso, ou nosso grande problema é mesmo o amor próprio.

A falta de amor-próprio, na verdade, parece ser uma sugestão bastante conveniente. Isso significa que, por um lado, não temos voz própria porque temos vergonha do som dessa voz, e isso explicaria também o gosto de fluoxetina com ansiolíticos que o rio Itajaí-Açu deve ter.

Ainda assim, também é bom-senso sugerir que desconheço os autores daqui, e não saberia dizer o nome de mais de dez músicos, dez atores ou dez artistas plásticos. Então, por outro lado, quem sabe sou eu que estou a condenar meu próprio mundinho inventado, e só não sei mais discernir o que presta na televisão, achando que isso é reflexo real do que se passa lá fora. Paradoxalmente, o amor-próprio talvez falte mesmo a mim, e não ao resto das pessoas, que não se importam com a falta uma voz forte que diga de onde vem. "Vens de onde, gajo? Deve ser de Blumenau, com toda essa pompa, mas sem nada para dizer. Desliga a televisão e escreve logo teu livro."

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Amor-próprio — exacerbação exagerada e pleonástica, tom de habitantes de cidades inventadas, ou bom-senso de viver sozinho. No-one has it all em:

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