quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Maço ou carteira (2)


“Maço ou carteira?”, me pergunta o caixa do posto de gasolina.

Eu nunca sei a resposta dessa pergunta, ainda que fume ocasionalmente e compre sempre o mesmo cigarro. Peço o menor, mas ele responde confuso que os dois são iguais. A diferença é que um tem a caixinha diferente do outro.

“Maço ou carteira?”, ele pergunta novamente sorrindo.

Não sei bem o que responder. Tanto faz? Pode ser o de cinco reais, então. Ele ri, e me entrega os cigarros com um isqueiro pequeno. Não sei bem de onde veio essa vontade que tenho de vez em quando, mas volta e meia ela aparece, bastante pontualmente. Pego o troco e saio andando. Sempre achei que o maço fosse menor que a carteira ou sei lá. Não memorizei a diferença entre as duas coisas; provavelmente voltarei em algumas semanas (ou meses, quem sabe) e darei acidentalmente a entender de novo que estou os comprando pela primeira vez.

O dia está chuvoso em Florianópolis e uma bruma cobre toda a extensão do horizonte que consigo ver. Decido acender um dos cigarros e me misturar ao clima, envolvendo-me rapidamente em uma calmante nuvem de tabaco queimado. O gosto da fumaça me faz salivar, e logo sinto um rápido reflexo e um arrepio sobe minha coluna. Meu corpo agradece, apesar de saber aonde isso o leva.

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Minutos antes, no caminho até a pracinha onde estou sentado, fui acompanhado no ônibus por um ilhéu grisalho e grande, que me perguntou se estava cheio o centro de compras de onde saí. No meio da tarde de um dia qualquer na última semana de 2012, estava. Ele filosofa: nos dias sem sol, há uma tendência de que se encham esses lugares.

“E aqui em Floripa, quando bate esse vento, dá dois ou três dias de chuva, não tem?” — me diz por dizer.
Tem, eu suponho. O vento vem do mar, ele me explica, e traz todas as nuvens carregadas de lá. Se tivermos sorte, bate um vento do nordeste e esquenta, ou bate um vento sul e limpa tudo, mas esfria. A conversa se prolonga: a previsão do tempo nunca consegue acertar os ventos, embora eles consigam com algum sucesso entender a posição das nuvens. A temperatura também costuma estar mais ou menos correta. O vento, não.
“Nos dias que venta bastante”, ele aponta para a direita, “dá pra ver aqueles ciclonezinhos que aparece quando tem ar quente e frio, sabes? Tem que ficar olhando pro mar. Eu já vi alguns, não tem?”.

 Deve ser uma vista e tanto.

“Aqui vem de tudo”, ele continua. “Tudo — tudo o que quiseres de clima, tu achas”.

“Menos neve”, respondo.

“Acha sim, lá em São Joaquim”, ele diz sem pensar. “Nosso estado, Santa Catarina, é muito rico em belezas naturais. Cânions, cachoeiras, montanha, mar — tudo o que dá pra imaginar”.

Acho que ele supôs que eu fosse de algum outro estado.  Quiçá gaúcho, como perguntou um lojista no dia anterior, por alguma razão que ainda não sei bem. Olho para a água, agora que nos aproximamos da beira-mar, e volto-me para ele. Conversar sobre o tempo é não ter sobre conversar, como bem diz um amigo meu, mas essa é só uma introdução. Ele indica com o dedo toda uma área à esquerda do ônibus, e explica que tudo aquilo era mar quando ele era criança. “Foi aterrado, não sabias?”, e não saberia mesmo, não fosse por alguém já ter me contado tudo isso logo no primeiro dia que chegamos. Estou entretido.

“Minha casa era ali, ó”, me conta apontando para os prédios na avenida. “Eu conheci Floripa quando tinha três ou quatro prédios e mais um monte de casarão. Essa casinha amarela, por exemplo, não era da ‘associação dos amigos da praça’ (ou qualquer coisa que dissesse a pequena construção amarela de várias décadas atrás); era a casinha do esgoto. Saía tudo dali e canalizava pro mar, que era bem na frente quando não tinha o aterro”.

Meu guia acidental é uma grande companhia com seu excelente sotaque, mas vejo o meu ponto de referênciana Beira-Mar e lembro que tenho que descer. Faço menção de sair e ele se despede:

“Olha, feliz ano novo pra ti. Que venha o sol pra vocês aí!”, diz entusiasmado. Respondo à altura e desço.

Jogar conversa fora é sempre um grande prazer, visto o quão rapidamente vão embora nessas situações minhas preocupações insensatas. Catarse — "se é que há uma", chego a pensar — torna-se prodigiosamente um problema muito diluído na vida alheia.

Saio do ônibus e me encontro sozinho. Na falta de companhia, estou terrivelmente entediado. A visão de mais um shopping center por perto é extremamente aborrecida, mas vejo poucas opções além do hotel. Hora de comprar Zigaretten. Diante da mudança de calendário, sinto os efeitos de rememorar e mastigar 2012, mas sento-me para lamentar a perda de antiga professora que não resistiu a um câncer fatal.

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Mais catarses, poesia e madrugada:
http://mundoderascunhos.blogspot.com.br/2013/02/trechos-catarticos-parte-1.html

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